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O Deus Dourado dos Urubus conto de Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano |
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foto: Isabel Fomm de Vasconcellos |
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Mas
Zercs era ainda mais solitário. Quando estava lá pelas bandas da Avenida Paulista (Ah, pensou que não
tinha urubu na Paulista? Enganou-se), o que acontecia de julho a
dezembro, tinha seu canto predileto. Postava-se ao lado das antenas de
TV que existiam na cobertura de um condomínio e ficava lá, se exibindo,
mostrando a envergadura de suas longas asas, essas coisas. |
Por isso foi que notou quando o Thiago – aquele homem negro como ele próprio (na cor, porque Zercs sabia que não podia chama-lo assim nesses tempos politicamente corretos, tinha que ser “afrodescendente”) se dirigia lentamente à beira da laje de cobertura do prédio, bem próxima de onde ele, Zercs, estava.
Tinha sido a mãe de Zercs quem contara a ele que Thiago, o negro, lavava a janelas dos prédios desde que estes tinham sido inaugurados, em 1959.
Desde aquele tempo longínquo, Thiago era conhecido por driblar todos os procedimentos de segurança e, frequentemente, era visto a dançar pelos parapeitos das enormes janelas, do lado de fora, sem nenhuma proteção. Isso, aliás, quase lhe custara, em inúmeras ocasiões, o emprego. Mas fato é que todos os síndicos e zeladores que passaram, nas últimas cinco décadas, pelo condomínio, mantinham uma secreta afeição pelo Thiago, além de saber que ele era uma espécie de “alma” dos prédios. Por isso, acreditavam que não poderiam dispensar um homem daqueles só porque, vira e mexe, ele se punha a lavar as janelas sem nenhuma proteção.
De fato, Thiago era
amado por todos os habitantes daqueles prédios.
No tempo dos velhos elevadores com cabines de madeira, que viviam
quebrando, era comum ouvir-se uma voz ecoar pelo condomínio, às vezes
divertida, às vezes assustada, mas sempre aos berros: -- Thiaaaagooo,
vem me tirar daqui! – era alguém preso nos elevadores. Se alguma coisa
ia mal num apartamento, a quem chamavam? Thiago. Pra consertar o cano de
gás. A mangueira da máquina de lavar. O trinco do armário. Todos, mas
todos os moradores mesmo, conheciam e se valiam daquele homem simpático
para quebrar qualquer galho doméstico e, claro, para lavar as janelas.
Por isso, Thiago era amado. E já tomara café em todas as xícaras do
condomínio. Isso sem contar a sua popularidade com as empregadas
domésticas, naquele tempo em que quase todas as donas de casa tinham
empregadas residentes e em regime de semi escravidão. Era o Thiago quem
as ouvia e consolava quando as pobres moças estavam tristes. Era ele
quem as levava, aos sábados, para comer feijoada num boteco ali na
esquina da Alameda Joaquim Eugênio de Lima. Quem contara tudo
isso à mãe de Zercs, fora a avó dele.
E quem contara a avó, fora a bisavó. Portanto, para Zercs, cuja
expectativa de vida, como a de todos os urubus, raramente ultrapassava
10 anos, Thiago era como um ser mitológico, um humano, negro como os
urubus, que vivia nas alturas, por gerações e gerações.
Porque era íntimo dos altos picos, porque era negro e não temia a chuva,
porque era alegre e risonho como os urubus, Zercs sabia que Thiago era o
deus dos Coragyps atratus, ou seja, da sua própria espécie. Foi então que, de
súbito, Thiago despencou. Saltou da
cobertura do prédio, assustando Zercs que mal teve tempo de pensar que
ele, Thiago, afinal, tinha tudo dos Coragyps, menos as asas.
Thiago é um personagem real. Muitas vezes me tirou dos parados elevadores. Esse conto é uma homenagem à sua nobreza.
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Maria Amelia Junqueira Franco BOM CONTO, OTIMO; DETESTO LER NO COMP., MAS LI , BELEZA.
Linda Naufel de Freitas Muito bom este conto!
[13:09, 29/04/2021] Ana
Carolina Braunstein: Que lindo!! Nossa, muito emocionante. [13:12, 29/04/2021] Ana Carolina Braunstein: Essa história é verídica? [13:13, 29/04/2021] Isabel: A do Thiago? É sim. Quanto aos urubus, só perguntando pra eles... rsrsrs... [13:17, 29/04/2021] Ana Carolina Braunstein: Hahahaaha
[13:15, 29/04/2021] Isabel: O Thiago era um sujeito maravilhosamente alegre. Eu o admirava. Pensava: de onde ele tira tanta alegria, negro, discriminado, pobre, trabalhador, vida dura... ? Tinha 70 anos quando subiu ao terraço do prédio e se atirou. Ninguém entendeu. Ele trabalhara à noite, como porteiro da garagem. Um colega o rendeu. Ele saiu, foi à padaria ao lado, tomou uma dose de pinga, entrou no prédio pela porta da Paulista, foi ao outro prédio gêmeo, subiu e se atirou. [13:17, 29/04/2021] Ana Carolina Braunstein: Fiquei impressionada com a história Tem que ter muita coragem ou não ??????? [13:23, 29/04/2021] Isabel: Ou muita depressão.
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De:
António de Andrade Albuquerque
De:
Osmar de Almeida Marques [ |
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