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A Singela Estória do Prof. Dr. Américo*
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Era uma vez um médico, bem antigo, que se sentia plenamente realizado com a sua carreira. Desde muito pequeno ele sabia que queria ser médico. A vocação já nascera com ele, vinda sabe-se lá de onde, já que o nosso Dr. Américo era filho de um humilde alfaiate e de uma costureira. Muito as máquinas do atelier de costura, que funcionava na sala da residência de seus pais, trabalharam para conseguir pagar as despesas de Américo na faculdade.
O curso foi feito na Universidade pública,
mas mesmo assim, Américo não tinha tempo para trabalhar, enquanto todos
os seus irmãos, na sua idade, já trabalhavam e havia ainda enormes
despesas com livros e o inevitável ciúme dos irmãos que acreditavam que
os pais estavam dando à Américo privilégios que eles próprios não
tinham.
Mas, no fundo, todos respeitavam, na família, a
extrema dedicação de Américo. Ele,
é verdade, tivera a sorte de frequentar escolas públicas (grupo
municipal e ginásio estadual) numa época –começo dos anos 1960 – em que
o ensino nessas instituições era realmente bom em São Paulo e, por isso,
e também porque se matara de tanto estudar, conseguira entrar na
Faculdade de Medicina da USP. |
Waldomiro de Deus, 2006, Meu Médico Querido
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Sim, porque Américo fez uma brilhante carreira
acadêmica. Formou-se com distinção,
foi o melhor residente de sua turma e, embora fascinado pelos muitos
mistérios que a medicina ainda não decifrara no corpo humano, e, por
isso mesmo, tentado a especializar-se em oncologia, acabou virando
ginecologista, intrigado pela capacidade reprodutiva das mulheres e pelo
preço que as fêmeas pagavam por essa capacidade. Mas, embora um sucesso nos serviços de saúde pública onde trabalhou e outro sucesso na faculdade onde passou a dar aulas, Américo era um desastre tanto financeiro quanto político. Mal sabia se defender das armadilhas, que seus colegas invejosos de sua competência, criavam para ele. E no seu humilde consultório de bairro, acabava levando altos calotes, dada a sua generosidade e a sua compreensão para a dificuldade financeira das pacientes.
Quando, no Brasil, começavam a proliferar os
convênios, por deficiência do próprio sistema público de saúde,
Américo credenciou-se em todos e, em
breve, em seu consultório, só existiam clientes de grupos médicos (que
pagavam bem pouco por consulta) e mulheres muito pobres, a quem ele
atendia de graça. Suas noites eram dedicadas à pesquisa e ao estudo e
ele só podia frequentar os congressos internacionais quando convidado.
Isto, aliás, era um prato cheio para os seus colegas acadêmicos e
invejosos, que começaram a acusá-lo de ser um “vendido” para a
Indústria. Só que essa estratégia não convencia muita gente, pois o
pobre Dr. Américo continuava levando uma vida muito modesta, andando num
carro mais velho que ele, clinicando num consultório modesto de bairro,
vestindo ternos puídos e calças jeans da década de sessenta. Os salários
recebidos na saúde pública também eram modestos, o que ele recebia do
consultório bastante ridículo, o que salvava um pouco era a remuneração
de sua docência universitária, mas ele torrava tudo em livros e ajudando
a própria família.
Mas as suas pacientes... ah, estas o adoravam.
Enfrentavam longas esperas na sala de recepção de seu consultório,
lendo revistas velhas e capengas de
tanto serem manuseadas, para ter o privilégio de seus cuidados. Ele
sempre atrasava as consultas. Porque queria ouvir. E ouvia: as condições
de vida, os dramas pessoais, as frustrações e as ambições de suas
pacientes. Porque ele, quanto mais estudava e aprendia, mais acreditava
que a saúde é um tripé: o físico, o emocional e o social. Assim, não via
suas pacientes apenas como um corpo, um útero, um par de ovários. Mas
procurava ir muito mais fundo, compreendendo como o psicológico e o
social estariam atuando no físico.
Teve poucas namoradas. Tinha pouco tempo para elas,
muito pouco tempo, e elas logo se cansavam e iam procurar alguém mais
dedicado a elas.
Um dia, no meio dos anos 1990, recebeu um convite
para participar de um programa de TV.
Américo ia recusar. Achava uma bobagem ir à televisão. Mas a produtora
do programa conseguiu convencê-lo, dizendo que professores sérios como
ele poderiam prestar um grande serviço aos telespectadores através de
uma informação decente sobre saúde.
No dia seguinte o telefone de seu consultório
estava congestionado. Milhares de mulheres queriam se consultar com ele.
A secretaria quase enlouqueceu.
Contou a ele que ouvira de muitas delas coisas como o seguinte: “Eu
dobro o valor da consulta pra você me arrumar um horário com ele e ainda
te levo um presente”.
A secretária deu-lhe a solução:
O que animou o Dr. Américo foi a possibilidade,
afinal, de ajudar os colegas recém-formados
e, inclusive, continuar de uma certa
maneira a ensiná-los, através de sua própria experiência. Montou uma
pequena clínica e contratou mais três médicos. Mas esta também ficou
insuficiente quando, pela segunda vez, ele aceitou ir ao programa de TV.
Ficou rico, quase milionário, e pôde comprar o
carro esporte de seus sonhos. Havia
uma fila de mulheres se oferecendo, loucas para casar com o médico
famoso e rico. No entanto, jamais se casou e jamais deixou de atender
suas pacientes pobres. Quando as ricas eram atendidas pelos assistentes
e acreditavam que o famoso doutor só atendesse as ainda mais ricas que
elas, ele estava atendendo de graça...
* esse é um conto de ficção, qualquer
semelhança com personagens reais não passará de mera coincidência. |
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Tina Hengles Adorei! Linda Naufel de Freitas Muito bom Isabel! Sheila Santos Os pobres de espírito sempre acharão uma forma de criticar aqueles não são como eles. Bom conto Bel |
Lilian Roel Murat adorei Isabel!!! Lourdes Novello é que vc é demais mesmo |
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