Caminhava pelas avenidas decoradas para o
Natal, pensando que aquela festa,
que ainda movimentava tanto a economia desse país (que fora até
recentemente o maior país católico do mundo), que fazia sorrir os
comerciantes e muitas crianças, que mobilizava grupos interessados em
levar presentes e comemorações a quem não os podia ter, que reunia
muitas e muitas pessoas na tradicional Missa do Galo e gerava tantas
manifestações de amor e solidariedade, também fazia brotar sentimentos
de raiva, inveja, intolerância, desamor, competição desleal, etc.
Bah! Sabia muito bem que nada escapava da
dualidade existente dentro do ser humano.
Era sempre a mesma batida luta entre o bem e o mal, sendo que o que era
bem para uns, poderia ser mal para outros e vice versa.
Riu, ante o pensamento, lembrando-se que, na sua juventude, na Academia,
falar em mal e bem era considerado um tremendo mau gosto, uma
simplicidade indigna de um intelectual. Agora, depois de tantos e tantos
anos, já deveriam saber que a simplicidade não implica falta de
profundidade e que os lugares comuns muitas vezes são fruto da sabedoria
popular e que esta, por sua vez, pode ser, também muitas vezes, mais
sábia que a mais sábia das vozes da ciência.
Marilda, sua velha amiga, dizia que a
ciência não era a forma completa de ver o mundo.
Era preciso, segundo ela, a sua amiga, ver o mundo também com os
sentimentos, desde a emoção até o que ela chamava de “Sentimentos
Intuitivos”, ou seja, gerados pela intuição. O mundo da ciência, para
Marilda, era o árido e testosterônico mundo masculino, pertencia à
racionalidade absoluta e qualquer mulher, sobre a face da terra, sabia
muito bem que a razão nem sempre é a melhor conselheira. “È preciso
pensar também com a voz do coração”, afirmava.
Agora o seu próprio coração estava a
dizer-lhe que o natal era muito
mais uma farsa do que outra coisa, do que deveria ser.
Para os que professam a fé cristã, o nascimento do filho de Deus estava
sendo comemorado. Para os ateus, no máximo, o nascimento de um mito que
se perpetua por mais de dois milênios. Para os esotéricos, o nascimento
de mais um avatar. Mas ninguém sabia dizer ao certo quem fora aquele
sujeito que vivera apenas 33 anos na terra e vivia há 2 milênios sendo
citado tanto para o bem como para o mal.
Sim, em nome dele,
raciocinava, na Idade Média, durante seis séculos, os padres queimaram,
nas famosas fogueiras da inquisição, sábios, magos, magas e qualquer um
que não se encaixasse em sua religião, ou mesmo em sua sede política.
Em nome dele,
guerrearam à vontade nas Cruzadas e em muitas outras ocasiões na
história da humanidade.
Em nome dele,
inventaram barbaridades que iam da tortura
à discriminação das mulheres, dos índios e dos negros; as primeiras,
consideradas depositárias de todo o pecado e os dois últimos, seres sem
alma...
Em nome dele,
quanto conhecimento de outras culturas e de outras sociedades, se
perdera para sempre... Riu de novo. Ainda segundo a sua amiga Marilda,
nada se perdia para sempre porque os pensamentos e o conhecimento
estavam todos depositados nos “registros acásicos”, como diziam os
Rosacruzes, ou na grande energia que permeava todo o Cosmos, as tais
“cordas”, como diziam os físicos quânticos. |