Segunda feira de carnaval. Minha mãe pede que eu a leve ao Shopping,
logo de manhã.
-- Ai, mãe! Justo hoje que está sol?
-- Só meia horinha, Bel – responde ela – depois você pode ir pra sua
amada represa.
Era 1983. Naquele tempo, ir ao shopping podia levar só meia hora. O
estacionamento era vasto e gratuito. O trânsito, muito pouco. Mas o que
não era normal, naquela manhã, era o sol.
Desde que eu me conhecia por gente, aqui em São Paulo, só chovia. Um dia
de sol, de céu sem nuvens... Uma raridade. Talvez uns cinco ou seis por
ano. Quando amanhecia céu sem nuvens, logo nublava, logo chovia. Parece
mentira, mas é verdade.
Piscina?
Besteira. Quem ia gastar dinheiro em piscina, numa cidade onde o cinza
era o tom dominante?
Para as nossas novas gerações, o que estou dizendo pode parecer sem
sentido. Mas, em São Paulo, a absoluta maioria dos dias do ano eram de garoa ou chuva.
Para mim, que desde meninazinha, frequentava a Represa do Guarapiranga
para praticar o meu abençoado esqui aquático, isso era um tormento.
Nunca, nunca mesmo fazia sol!
Por isso me lembro tão bem daquele carnaval de 1983.
Levei minha mãe ao Shopping e saí chispando pro meu clube na represa.
Sol!
Quase sempre meu primo Eduardo Zocchi e eu treinávamos sob chuva, de
roupa de borracha, com o porta coisas do barco repleto de chocolates e
de algum conhac, porque com aquele frio...
Na terça feira, daquele carnaval, o sol ainda reinava pleno num céu azul
sem nuvens! Um milagre! Reunimos vários barcos amigos e fomos “subir o
rio”. No quarto lago, da represa do Guarapiranga, tínhamos acesso a um
rio que nos levava até a cidade do Embu. Um rio estreito, cheio de
meandros e de pedras. Era uma boa aventura.
Agora, 2014, 31 anos depois, São Paulo tem muitíssimos mais dias de sol
arregalado do que de nuvens e/ou de chuva. A garoa sumiu. E estamos
vivendo a maior seca da nossa história, com nossos reservatórios – se
continuar como está – prometendo nos abastecer apenas até menos de dois
meses vindouros.
Mas, como Deus é mesmo brasileiro, começou a chover.
Com sorte, choverá por alguns dias.
Com mais sorte, por uma semana, até uma semana e meia.
O que era um cinturão verde em volta da cidade tornou-se uma periferia
de concreto.
O que era um rio, um rio de merda.
O que era cidade, inferno. Empurramos a natureza, sem respeito ou
compreensão.
Fomos nós quem fizemos.
Mas, mesmo assim, temos a caradura de botar a culpa no coitadinho do São
Pedro.
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