voltar para a página-site de contos e artigos da escritora Isabel Fomm

 

Chuva em São Paulo.

 memória de Isabel Fomm de Vasconcellos

 

Jamais havia céu azul e sol

na cidade de São Paulo, antes dos anos 1990.


Segunda feira de carnaval. Minha mãe pede que eu a leve ao Shopping, logo de manhã.
-- Ai, mãe! Justo hoje que está sol?
-- Só meia horinha, Bel – responde ela – depois você pode ir pra sua amada represa.
Era 1983. Naquele tempo, ir ao shopping podia levar só meia hora. O estacionamento era vasto e gratuito. O trânsito, muito pouco. Mas o que não era normal, naquela manhã, era o sol.
Desde que eu me conhecia por gente, aqui em São Paulo, só chovia. Um dia de sol, de céu sem nuvens... Uma raridade. Talvez uns cinco ou seis por ano. Quando amanhecia céu sem nuvens, logo nublava, logo chovia. Parece mentira, mas é verdade.
Piscina?
Besteira. Quem ia gastar dinheiro em piscina, numa cidade onde o cinza era o tom dominante?
Para as nossas novas gerações, o que estou dizendo pode parecer sem sentido. Mas, em São Paulo, a absoluta maioria dos dias do ano eram de garoa ou chuva.
Para mim, que desde meninazinha, frequentava a Represa do Guarapiranga para praticar o meu abençoado esqui aquático, isso era um tormento.
Nunca, nunca mesmo fazia sol!
Por isso me lembro tão bem daquele carnaval de 1983.
Levei minha mãe ao Shopping e saí chispando pro meu clube na represa.
Sol!
Quase sempre meu primo Eduardo Zocchi e eu treinávamos sob chuva, de roupa de borracha, com o porta coisas do barco repleto de chocolates e de algum conhac, porque com aquele frio...
Na terça feira, daquele carnaval, o sol ainda reinava pleno num céu azul sem nuvens! Um milagre! Reunimos vários barcos amigos e fomos “subir o rio”. No quarto lago, da represa do Guarapiranga, tínhamos acesso a um rio que nos levava até a cidade do Embu. Um rio estreito, cheio de meandros e de pedras. Era uma boa aventura.
Agora, 2014, 31 anos depois, São Paulo tem muitíssimos mais dias de sol arregalado do que de nuvens e/ou de chuva. A garoa sumiu. E estamos vivendo a maior seca da nossa história, com nossos reservatórios – se continuar como está – prometendo nos abastecer apenas até menos de dois meses vindouros.
Mas, como Deus é mesmo brasileiro, começou a chover.
Com sorte, choverá por alguns dias.
Com mais sorte, por uma semana, até uma semana e meia.
O que era um cinturão verde em volta da cidade tornou-se uma periferia de concreto.
O que era um rio, um rio de merda.
O que era cidade, inferno. Empurramos a natureza, sem respeito ou compreensão.
Fomos nós quem fizemos.
Mas, mesmo assim, temos a caradura de botar a culpa no coitadinho do São Pedro.

 

 

 

 

COMENTE